Era noite e eu vagava. Não tinha
sequer lembrança de como havia chegado ali. As ruas desertas a medida que
cruzava, meu caminho era incerto e minha mente estava tortuosa. Fazia tanto
calor, cada passo tornava-me mais pesado, minhas pernas doíam, eu suava e o
frio não era sequer uma vaga reminiscência. Foi quando em meio aos devaneios
fui desperto por um som, eram passos ecoando no vazio da escuridão. Foi quando
a vi.
Nossos olhares se cruzaram e o
mundo parou. Ofegante, o coração disparado, eu parei, olhei para trás. Ela me
encarava. Quem é você dama da noite, a quem me desvia de meu torto caminho?
Mesmo no calor, com seu passo adiante eu gelei. Quem é você, que tira minha paz
do desconforto e me desperta? Mais um passo, eu caminho junto.
Não há mais ninguém na rua,
apenas sons distantes da noite urbana, um carro, uma sirene, um trem... Quem é
esta que me olha nos olhos, não a conheço, nunca nos vimos, ainda assim não
consigo tirá-la de minha mente. Mais um passo, resigno de todo meu percurso
destinado ao inferno ou seja lá onde estaria indo. Seria ela um anjo me
livrando do purgatório? Ou um demônio me condenando pelas minhas luxúrias?
Mais um passo, estamos cara a
cara. Vejo agora seu semblante, os olhos penetrantes querem me engolir
começando pelo olhar. Sinto uma leve brisa, um alívio que para me lembrar do
calor. Mas agora piora, ela sorri. Em todo sorriso sinto uma pontada de
conforto em minha alma, vejo suas mãos se movimentando, as minhas vão instintivamente
ao encontro.
Mas espere, ela foge? Onde vai,
dama da noite? Por que me cativa e depois corres de mim? Não sei seu nome,
sequer ouvi sua voz, tudo que tive foi seu sorriso, devo contentar-me com isso?
Eu caminho, fito-a, sigo-a a medida que se vira com seu olhar convidativo, e
todas as minhas incertezas se vão quando ela me chama com os dedos.
Paro próximo a ela, de costas
vejo seu cabelo, quase consigo sentir seu cheiro. Ela se vira, tem o mesmo
olhar, o mesmo sorriso. Nossas mãos vão se encontrar novamente. Eu a toco, mas
não consigo, não a tenho. Não está ali. Será um fantasma? Uma alma penada em
busca de companhia para a eterna agonia da solidão. Estendo minha mão, que meu
caminho seja seus lábios, dama da noite. Abraço-a, vejo seu sorriso e lhe
beijo. E eu desperto. Em minha cama vazia, no quarto semi-iluminado pela lua,
na noite quente. Ainda ouço os carros, a sirene e o trem, mas não saio do
lugar. Tudo que tenho agora é o resquício de um sorriso, e assim termino a
noite, contentando-me com migalhas de minha própria ilusão.
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