segunda-feira, 11 de setembro de 2017

   Ontem a noite, ela veio até mim. Tentei futilmente me livrar de seus desencantos, mas em vão, como sempre. Ontem a noite pude sentí-la como nunca, seus olhos me fitando, seu sussurro como o vento que entra pela janela e balança as cortinas. A solidão, a podridão, o asco, o veneno, ontem a noite eu tive tudo.
   A sós na cama, o tempo passava, como os passos num compasso de piano, crescendo, crescente, diminuto. Minhas mãos caminhavam por entre suas formas, mínima, semínima, colcheia. A tentação, a vontade, os beijos, cedi totalmente, me entreguei. Semicolcheia sem pausa. Ontem a noite, sequer vi o tempo passar, as horas viravam dias, os dias a madrugada, céu adentro, noite aberta, gritos, ouvidos, gemidos, ontem a noite...
   Quantas horas são? Já nem quis saber, sem forças para levantar, o corpo suado, o calor dos corpos, o furor despido, ontem a noite o céu foi ficando claro. Será que dormi? Por entre seus beijos e carícias, palavras pausas e silêncios e tantos arrependimentos. Ontem a noite, já estava clareando, mas o rítimo permanecia, eu a jogava, era jogado, virávamos na cama, com juras de amor eterno ao ódio, pragras e desgraças, e um olhar sutil na pebumbra do quarto, o reflexo no espelho. Ela foi, mas queria voltar, ela foi mas continuou a me atormentar, ontem a noite já era hoje de dia e nossos olhos ainda se encontravam.

   Eu queria sair, queria correr, queria gritar. Queria riscar o chão com nossos corpos, deixar marcas até nos ossos, com o sangue fervendo, o coração palpitando, o rítimo acelerado e o tempo, tempo impecável, quatro por quatro, três por quatro, caralho a quatro. Queria ser a sirene na rua, o maluco que grita, o maldito bebum apagado na esquina com meia garrafa. Ontem a noite, não sei se foi mais uma ou menos uma, eu só queria dormir. Ontem a noite, já era quase dia, ela me deixou, sem falar, sem fitar, sem mais ficar, da mesma forma que ela chegou, misteriosa, silenciosa, depravada. Ontem a noite eu tive insônia.

Mosca

Diário do Dr. Fleubermann Paciente nº 003764 Curioso e peculiar o caso deste paciente em específico. Ainda me lembro bem da primeir...