sábado, 8 de dezembro de 2012

Lembrança de Morrer


Quando em meu peito rebentar-se a fibra, 
Que o espírito enlaça à dor vivente, 
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura 
A flor do vale que adormece ao vento: 
Não quero que uma nota de alegria 
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio 
Do deserto, o poento caminheiro 
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh'alma errante, 
Onde o fogo insensato a consumia: 
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras 
Que eu sentia velar nas noites minhas ... 
De ti, ó minha mãe! pobre coitada 
Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos, 
Poucos - bem poucos - e que não zombavam 
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda, 
Se um suspiro nos seios treme ainda, 
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora 
Do pálido poeta destes flores... 
Se viveu, foi por ti! e de esperança 
De na vida gozar dos teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua, 
Verei cristalizar-se o sonho amigo ... 
Ó minha virgem dos errantes sonhos, 
Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário 
Na floresta dos homens esquecida, 
À sombra de uma cruz, e escrevam nela: 
Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos.
Deixai a lua pratear-me a lousa! 



Manuel Antônio Álvares de Azevedo

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