Ontem
a noite, ela veio até mim. Tentei futilmente me livrar de seus
desencantos, mas em vão, como sempre. Ontem a noite pude sentí-la
como nunca, seus olhos me fitando, seu sussurro como o vento que
entra pela janela e balança as cortinas. A solidão, a podridão, o
asco, o veneno, ontem a noite eu tive tudo.
A
sós na cama, o tempo passava, como os passos num compasso de piano,
crescendo, crescente, diminuto. Minhas mãos caminhavam por entre
suas formas, mínima, semínima, colcheia. A tentação, a vontade,
os beijos, cedi totalmente, me entreguei. Semicolcheia sem pausa.
Ontem a noite, sequer vi o tempo passar, as horas viravam dias, os
dias a madrugada, céu adentro, noite aberta, gritos, ouvidos,
gemidos, ontem a noite...
Quantas
horas são? Já nem quis saber, sem forças para levantar, o corpo
suado, o calor dos corpos, o furor despido, ontem a noite o céu foi
ficando claro. Será que dormi? Por entre seus beijos e carícias,
palavras pausas e silêncios e tantos arrependimentos. Ontem a noite,
já estava clareando, mas o rítimo permanecia, eu a jogava, era
jogado, virávamos na cama, com juras de amor eterno ao ódio,
pragras e desgraças, e um olhar sutil na pebumbra do quarto, o
reflexo no espelho. Ela foi, mas queria voltar, ela foi mas continuou
a me atormentar, ontem a noite já era hoje de dia e nossos olhos
ainda se encontravam.
Eu
queria sair, queria correr, queria gritar. Queria riscar o chão com
nossos corpos, deixar marcas até nos ossos, com o sangue fervendo, o
coração palpitando, o rítimo acelerado e o tempo, tempo impecável,
quatro por quatro, três por quatro, caralho a quatro. Queria ser a
sirene na rua, o maluco que grita, o maldito bebum apagado na esquina
com meia garrafa. Ontem a noite, não sei se foi mais uma ou menos
uma, eu só queria dormir. Ontem a noite, já era quase dia, ela me
deixou, sem falar, sem fitar, sem mais ficar, da mesma forma que ela
chegou, misteriosa, silenciosa, depravada. Ontem a noite eu tive
insônia.
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