-Tenho sempre o mesmo sonho quase todas as noites, não sei explicar,
mas parece tão real que às vezes não consigo distinguir quando estou dormindo
ou acordado. – Dizia o homem sentado no divã, na mesma posição que sempre o
fazia todas as semanas.
-Você sempre fala destes sonhos, pois me diga o que é desta vez. São
as luzes? É o carro? – Respondeu o psiquiatra.
-Sim, são luzes, mas você sabe doutor, não é o carro, é o outro sonho,
sempre vem da mesma forma. Eu acordo de madrugada em minha cama, tudo está
exatamente como deixei na noite anterior, escuto barulhos no outro canto da
casa e com medo de que seja um ladrão vou verificar. No caminho acendo todas as
luzes que passo, quando chego na sala, sempre na sala eu vejo este vulto, ele
sempre corre para o próximo cômodo da casa e eu vou perseguindo até o último
quarto e quando acendo a última luz vem um clarão e tudo se apaga, então
desperto em minha cama novamente.
-Você sempre relata este sonho, Carlos, você persegue este vulto no
qual não consegue distinguir a forma até o quarto que era de vocês antes do
acidente não é?
-Exatamente, não sei dizer quem ou o que é esse vulto, mas é sempre a
mesma coisa.
-Já faz muito tempo desde o acidente e você ainda se culpa por não ter
conseguido controlar o carro, mesmo sabendo que não foi sua culpa. Você sabe
disto, Carlos, já lhe disse muitas vezes que sonhos são desejos inconscientes.
Sua esposa foi jogada para fora do carro e você se coloca em uma condição de
querer pegá-la, mas nunca consegue, este vulto que sempre vê é ela e justamente
quando o cerca no quarto que era de vocês é que acontece a parte que você mais
se culpa, você não consegue pegá-la, não importa o quanto corra. Este seu sonho
tem sido um grande obstáculo em nosso trabalho terapêutico.
-Mas não é um sonho, é real. Quando sonhamos sempre tem algo
diferente, mas é tudo tão vívido, não pode ser um sonho, será que estou ficando
louco?
-Você não está ficando louco, Carlos, esta é a forma que você busca
aceitar os fatos inconscientemente do acidente, você precisa aceitar isto, não
há mais nada a se fazer. Tome, vou lhe receitar alguns calmantes que vão fazer
seu sono mais pesado, talvez ajude com os pesadelos.
No mesmo dia antes de voltar para casa Carlos comprara os remédios receitados,
tomou na hora indicada e em pouco tempo já estava sonolento até adormecer.
Carlos despertou em seu carro, na noite chuvosa em que o acidente ocorrera. Via
a rodovia vazia de madrugada, a chuva caindo no chão, sua esposa ao seu lado,
mas nada podia fazer, suas ações limitavam-se a olhar. Foi quando viu a forte
luz do caminhão que aparecera do nada, estranho não ter reparado já que estavam
em um ponto reto da rodovia e, como nada podia fazer, Carlos focou sua atenção
nas luzes. Neste momento tudo começou a ficar mais devagar, não havia mais
nenhum som, era como se estivesse dormindo em um quarto bem fechado, mas a luz
chamava sua atenção cada vez mais forte e mais próxima, até que Carlos
finalmente viu o que não havia visto seis meses atrás, a luz não vinha frente
ao carro, estava em cima, este exato momento veio o clarão e depois tudo
escureceu.
Carlos despertou assustado e olhou para a porta de seu quarto e lá
estava o vulto, tinha certeza agora que não sonhava. Levantou-se rapidamente, acendeu
a luz e pegou seu telefone. Pensou em discar para o psiquiatra, mas tinha
certeza que havia alguém em sua casa, ligou para polícia. Enquanto o telefone
discava, Carlos corria e acendia as luzes da casa, até chegar ao quarto que
dividia com sua esposa, lá não viu mais ninguém, apenas os corredores de luzes
acesas que deixara para trás.
-Polícia Militar, boa noite, em que posso ajudar? – Uma atendente no
telefone.
-Alô, tem alguém invadindo minha casa – dizia Carlos ofegante – Eu vi,
o persegui até o outro quarto mais agora ele sumiu, tenho certeza que ainda
está aqui.
-Muito bem senhor, mandaremos uma viatura, qual é o endereço?
Carlos tentava dizer, mas não ficara mudo quando viu a luz de seu
quarto se apagando. Ouvia barulhos de passos, ruídos estranhos enquanto todas
as luzes se apagavam uma atrás da outra, até a luz do quarto que estava se
apagar. Os segundos que seguiram pareceram horas para Carlos, barulhos, vozes,
gemidos, vultos pareciam rodeá-lo. Estavam em toda a casa, do lado de fora,
estavam ao lado de Carlos.
-Senhor, qual é o endereço? – Dizia a atendente, acordando Carlos de
seu transe.
De repente, um clarão. O mesmo do dia do acidente.
A atendente apenas ouviu um grito desesperado que fora cortado quando
a ligação caiu.
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